Falar sobre Liberdade, sob a
luz da Antroposofia, é uma tarefa exigente e desafiadora, então vou tentar
colocar nesse texto algumas reflexões para os amigos leitores e amigas leitoras,
com o fim de convidá-los a seguir nessa jornada comigo.
Caros amigos vocês já se
fizeram essas perguntas:
Quando sou livre?
O que está por trás dessa
liberdade?
Muitas pessoas respondem as
perguntas sobre liberdade através de relatos como admirar uma praia bonita com
o mar calmo ou na montanha contemplando uma paisagem de árvores e plantas.
Pessoas também respondem
através de ações, como por exemplo: sou livre quando faço algo que me agrada e
faz sentido, ou então quando faço o que quero.
Mas podemos nos aprofundar
um pouco mais sobre essas perguntas sem invalidar as respostas dadas acima.
O que os dois relatos tem em
comum? O pensamento.
“Observação
e pensar são os dois pontos de partida de toda busca cognitiva consciente do
ser humano.” Rudolf Steiner GA 4
Assim, temos que tomar por
base o pensamento e a observação para refletirmos sobre a Liberdade.
Em relação à contemplação
das paisagens usamos nosso pensamento construindo representações mentais das
plantas ou da praia, elas mobilizam um sentimento de prazer em nós, e como Steiner
diz: “Também aqui o pensamento é o pai do
sentimento.” GA 4.
No momento em que agimos
para algo prazeroso, em primeiro lugar surge o pensamento da ação para depois
executarmos a ação em si, nesse momento temos que respeitar toda uma convenção
social presente na cultura da época, do lugar, não podemos simplesmente agir
sem nenhum critério previamente analisado, então se conclui que, nas nossas
ações concretas, nós não somos livres.
Mas podemos expandir nossa
consciência, e podemos fazer um exercício de colocar o pensar como objeto de
observação, isto é, pensar o pensar. Para esclarecer melhor a afirmação acima
temos as palavras de Steiner em GA 4.
“Pelo fato de dirigir o seu
pensar para a observação, ele tem consciência dos objetos; quando dirige o seu pensar
sobre si mesmo, obtém consciência de si próprio, ou seja,
autoconsciência....Ora, quando o pensar dirige atenção para sua própria
atividade, ele tem em si mesmo, ou seja, seu sujeito, como objeto diante de
si.”
Com esse exercício podemos
enxergar os porquês dos pensamentos que pensamos, e de onde eles vêm, acessando
nossos arquivos da memória que nos motiva pensar desse modo, e vamos observar que
ações são praticadas a partir de pensamentos superficiais, levando em conta
condicionamentos sociais ou normas, essas ações não são livres, mas as ações
praticadas através do pensamento intuitivo, sem esperar nada em troca e em amor,
essas sim são totalmente livres.
Do mesmo modo temos a
prática de meditação, a busca por um autoconhecimento, nesse momento podemos
observar nosso pensar, nossa respiração, cada parte do nosso corpo
conscientemente, e essa meditação é feita em total liberdade, pois também não
somos coagidos a praticá-la, a ação de meditar é livre.
Mas hoje, em plena Época da
Alma da Consciência, Steiner nos convida a desenvolver o pensar intuitivo, para
que a nossa ação seja executada em liberdade, pois a
partir da observação do pensar podemos agir conforme o mundo das ideias.
“[…] encontra a liberdade
como característica
das ações que fluem a partir das intuições da consciência. Nessas
considerações sobre a vontade humana, foi apresentado o que o ser humano pode
vivenciar em suas ações para chegar à consciência, por meio dessa vivência:
Minha vontade é livre. É de significado especial, que a justificativa para
caracterizar uma vontade como sendo livre é obtida por meio da vivência: na
vontade se realiza a intuição de
uma ideia. Isso só pode ser o resultado
da observação.” Rudolf Steiner GA 4.
Mas como desenvolver o
pensar intuitivo?
Queridos amigos e amigas,
vamos verificar na nossa vida cotidiana quantas ações são realizadas em “piloto
automático”, vamos agindo de acordo com as pressões, convenções até mesmo
seguindo uma religião.
Vejamos, peguemos um livro
cujo tema central é mais denso, complexo e exigente e quando começamos a lê-lo,
acabamos pensando na lista do supermercado, mesmo lendo as palavras e
parágrafos. Ora, nem paramos para observar o nosso pensar, ele foi automático,
mas vamos à experiência, lemos o mesmo livro analisando cada palavra e cada
parágrafo o seu sentido, observando como isto se dá no nosso pensar, eu posso
chegar a tirar conclusões sobre o livro por mim mesmo, porque estou consciente
na leitura do livro.
Esse exemplo acima mostra
como desenvolver o pensar intuitivo, quando pensamos sobre o pensar Steiner o chama de estado de exceção,
porque o pensar cotidiano se dá através de representações mentais passando
na nossa mente o tempo todo, é um estado comum, mas o pensar como objeto de
observação do pensamento, este sim é um estado de exceção, pois necessita
esforço próprio, e a partir desta prática começamos a fortalecer a nossa
capacidade de atenção, buscamos sentido para os fatos, temos maior senso
crítico e avaliamos se a decisão de agir que
tomamos é fruto da influência de
algo externo a nós, de algum preconceito enraizado ou de “gatilhos” de
memória de fatos que nos influenciaram
no passado.
Deste modo, passamos a agir
no cotidiano com mais consciência, pois a capacidade de observação do pensar expande
a nossa atenção ao todo, e assim, nossa ação poderá ser praticada
conscientemente e em amor que nos leva a liberdade.
Portanto, o desenvolvimento
do pensar intuitivo nos torna mais autoconsciente.
Podemos visitar a nosso
passado e vermos também que, quantas vezes nós também agimos através do pensar
intuitivo, tivemos situações onde observamos o nosso pensar, acessamos o mundo
das ideias e chegamos a uma conclusão por nós mesmos, sem qualquer influencia
de alguém ou pressão exterior que nos obrigasse, sem nenhuma expectativa de
ganho, então podemos afirmar que nossa ação foi praticada em Amor que
proporcionou a Liberdade.
Como disse Rudolf Steiner em GA 4:
“Os espíritos livres, porém,
não se conformaram com tal escravidão. Eles se levantam a partir do momento em
encontram a si mesmos para seguirem os seus caminhos em meio ao caos das
convenções, obrigações e exercícios religiosos. Eles são livres quando seguem
apenas a si mesmos, não livres quando se submetem. Quem pode dizer que é livre
em todas as suas ações? Mas em cada um existe uma essência profunda na qual se
expressa um homem livre.
Nossa vida se compõe de
ações livres e não livres. Não é possível formar por completo a ideia do homem
sem pensar no espírito livre como expressão mais pura do homem. Verdadeiramente
homens somos apenas como seres livres.
Muitos dirão que isso é um ideal.
Sem dúvida! Mas é um ideal com fundamento em nossa essência e que está vindo à
tona. Não é um ideal abstrato ou sonhado, mas um ideal que possui vida própria e
se anuncia claramente mesmo em suas manifestações pouco perfeitas.”
O desafio da nossa época é
trilhar um caminho de autoconhecimento e autodesenvolvimento, quanto mais nós
praticamos o pensar intuitivo, mais encontramos conceitos únicos e claros que
nos definem, e com isso conseguimos atuar cada vez mais no mundo com a força do
Amor que faculta a liberdade, pois nos conhecendo temos maior clareza para
refletir sobre nossas atitudes.
O agir a partir do pensar
intuitivo é uma prática diária, não se consegue por passe de mágica, é uma meta
a ser conquistada, mas quando agimos, seja em maior ou menor grau a partir
desse modo de pensar, temos a nítida sensação de que foi uma ação genuinamente
nossa e nos sentimos totalmente livres.
Temos que conviver
diariamente com a pergunta: “Se eu soubesse o que realmente eu deveria fazer?”
Mas quando encontramos as respostas corretas e agimos a partir do pensar
intuitivo iremos também perceber que fomos instrumentos de forças superiores
que nos auxiliaram e capacitaram além do que nós nos julgamos capazes, e então
podemos dizer que, prestamos um serviço à meta de desenvolvimento da
humanidade, se tornar a Décima Hierarquia da Liberdade e do Amor.
Em GA 4 Rudolf Steiner
completa:
“A natureza faz do homem um
mero ser natural; a sociedade, um ser que age conforme leis; um ser livre
somente ele pode fazer de si mesmo. A natureza abandona o homem em determinado
estado de sua evolução; a sociedade o conduz
alguns passos adiante; o último aperfeiçoamento somente ele pode dar a
si mesmo.”
Caros companheiros de
jornada na Ciência Espiritual essa é a minha pequena contribuição a partir do
tema Liberdade, que é muito amplo e fascinante.
Agora eu finalizo o tema com
um verso de Steiner, os quais podem ser meditados diariamente, a fim de nos
fortalecer na prática do pensar como objeto de observação.
“Quando deixa viver
Nos alvos campos do espírito
A pura força do pensar,
A alma apreende a liberdade
em seu saber,
Mas quando, com sua vida
plenamente assumida,
Cônscio de sua liberdade, o
homem
Insere na vida sua força de
vontade,
A liberdade celebra sua
realidade."
Rita Paula Wey Nunes da
Costa