Há alguns anos fui conhecer a escola Waldorf de Nova York e fiquei hospedado na casa de uma amiga. A casa ficava, coincidentemente a apenas algumas quadras da escola e, sempre que podia, essa minha amiga me dizia:
- Quero levar você a
um restaurante de comidas orgânicas.
Em
minha imaginação aparecia um restaurante vegetariano, com ex-hippies cabeludos
vestindo camisetas de tie dye, lojinha de artigos indianos no canto, cheiro de
incenso, folhetos de aulas de yoga. No cardápio bardana, arroz integral,
vegetais etc. O pacote completo da minha ideia já solidificada, de meu
preconceito.
O
tempo foi passando e perto de minha partida minha amiga quis me levar ao tal
restaurante orgânico. Para meu espanto, entramos em uma hamburgueria moderna,
com várias máquinas de cerveja artesanal, cheiro de carne, batatas fritas,
cebolas fritas e porções de bacon. Um pacote que não combinava com minha
fantasia. Achei que ela tinha mudado de ideia e falei do tal orgânico de que
ela sempre falava e tinha me deixado curioso.
-Mas
é esse, aqui é tudo orgânico, a cerveja, a
carne, o bacon...
Rimos.
O
evento me marcou e desde então tenho inventariado situações que trazem em si
aparentes contradições mas que podem conviver muito bem se as aprofundarmos um
pouco. Estamos acostumados com certos pacotes e quando os pacotes vem em
combinações diferentes estranhamos, mesmo que não tenhamos nada contra nenhum
deles. Já encontrei rap evangélico, heavy metal católico, skatistas cristãos,
grupo de antropósofos
motociclistas fãs de Harley Davidson, viola caipira tocando chorinho, funk
evangélico,
movimento de índios gays bolivianos etc. Se achar mais algum me avise!
Tenho
usado a ideia do “bacon orgânico” como modelo de convivência
e de surpresa agradável. Acho que no mundo atual, dos homens partidos do
Drummond, dos homens ocos do T.S. Eliot estamos precisando nos abrir para novas
combinações, por mais estranhas e curiosas. Precisamos nos lembrar do Mário de
Andrade que nos conta que somos (...) trezentos, trezentos e cinquenta”.
No
nosso mundo superficial e dualista, de alinhamentos automáticos, de presunções
e preconceitos, de violências e falta de escuta eu quero descobrir os
trezentos, trezentos e cinquenta de mim e dos que me rodeiam. Talvez este seja
nosso desafio de Micael nesta época
de recolhimento, em que temos menos contato ainda com o outro. Nesta época em que o outro se resume a um
pequeno quadradinho bidimensional que engasga, some de repente e perde muito de
sua humanidade.
Meu refresco de alma é que todos percebem a grandeza do encontro, do abraço, dos trezentos que há em mim e nos trezentos que há no outro. Tomara que a “Senda do bacon frito” consiga nos despertar para a riqueza de nós mesmos e dos outros.
Daniel Kulaif
prof. de classe do colégio
waldorf micael de sp desde 2006

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