sábado, 19 de setembro de 2020

A SENDA DO BACON ORGÂNICO Os 300 que habitam em mim saúdam os 300 que habitam em você

 

Há alguns anos fui conhecer a escola Waldorf de Nova York e fiquei hospedado na casa de uma amiga. A casa ficava, coincidentemente a apenas algumas quadras da escola e, sempre que podia, essa minha amiga me dizia:

- Quero levar você a um restaurante de comidas orgânicas.

Em minha imaginação aparecia um restaurante vegetariano, com ex-hippies cabeludos vestindo camisetas de tie dye, lojinha de artigos indianos no canto, cheiro de incenso, folhetos de aulas de yoga. No cardápio bardana, arroz integral, vegetais etc. O pacote completo da minha ideia já solidificada, de meu preconceito.

O tempo foi passando e perto de minha partida minha amiga quis me levar ao tal restaurante orgânico. Para meu espanto, entramos em uma hamburgueria moderna, com várias máquinas de cerveja artesanal, cheiro de carne, batatas fritas, cebolas fritas e porções de bacon. Um pacote que não combinava com minha fantasia. Achei que ela tinha mudado de ideia e falei do tal orgânico de que ela sempre falava e tinha me deixado curioso.

-Mas é esse, aqui é tudo orgânico, a cerveja, a carne, o bacon...

Rimos.

O evento me marcou e desde então tenho inventariado situações que trazem em si aparentes contradições mas que podem conviver muito bem se as aprofundarmos um pouco. Estamos acostumados com certos pacotes e quando os pacotes vem em combinações diferentes estranhamos, mesmo que não tenhamos nada contra nenhum deles. Já encontrei rap evangélico, heavy metal católico, skatistas cristãos, grupo de antropósofos motociclistas fãs de Harley Davidson, viola caipira tocando chorinho, funk evangélico, movimento de índios gays bolivianos etc. Se achar mais algum me avise!

Tenho usado a ideia do bacon orgânicocomo modelo de convivência e de surpresa agradável. Acho que no mundo atual, dos homens partidos do Drummond, dos homens ocos do T.S. Eliot estamos precisando nos abrir para novas combinações, por mais estranhas e curiosas. Precisamos nos lembrar do Mário de Andrade que nos conta que somos (...) trezentos, trezentos e cinquenta”.

No nosso mundo superficial e dualista, de alinhamentos automáticos, de presunções e preconceitos, de violências e falta de escuta eu quero descobrir os trezentos, trezentos e cinquenta de mim e dos que me rodeiam. Talvez este seja nosso desafio de Micael nesta época de recolhimento, em que temos menos contato ainda com o outro. Nesta época em que o outro se resume a um pequeno quadradinho bidimensional que engasga, some de repente e perde muito de sua humanidade.

Meu refresco de alma é que todos percebem a grandeza do encontro, do abraço, dos trezentos que há em mim e nos trezentos que há no outro. Tomara que a Senda do bacon frito” consiga nos despertar para a riqueza de nós mesmos e dos outros.


Daniel Kulaif
prof. de classe do colégio waldorf micael de sp desde 2006

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