sexta-feira, 18 de outubro de 2019

Palavras


Minha pátria é minha língua. Fala demais, por não ter nada a dizer. Quem não se comunica, se trumbica. Deixa que digam, que pensem, que falem. Mas já que se há de escrever, que pelo menos não se esmaguem com palavras as entrelinhas.
É possível escrever um texto sobre comunicação utilizando apenas as frases tantas vezes repetidas nas suas mais diferentes formas: escritas, cantadas, narradas…
Temos ao redor de 400.000 palavras na língua portuguesa e, dentro de todo esse universo de possibilidades as mais usadas são o substantivo coisa, o adjetivo bom e o verbo ser. Bom ser coisa?
Qualquer ferramenta mal utilizada, perde o seu propósito e pode causar danos irreversíveis. O bisturi na mão de um médico inábil, a fé utilizada para subjugar, as panelas para quem desconhece o caminho até a cozinha. Há três coisas na vida que nunca voltam atrás: a flecha lançada, a oportunidade perdida e a palavra proferida. Deus dotou o homem de uma boca e dois ouvidos, para que ouça o dobro do que fala. Falar é prata, calar é ouro. Utilizamos de maneira adequada essas dádivas?
Desde a Torre de Babel nos perdemos nas 6.912 línguas dos homens, catalogados pelo compêndio Ethnologue. Ainda não foram catalogadas as línguas dos Anjos. Mas, sem o Amor, qual seria a utilidade delas?
As primeiras palavras de um bebê, momento que emociona à todos, têm amor e comunicam sem deixar margem à dúvida: mama, papa. Reconhecimento daqueles que ama, que o nutrem, que fazem com que sua vida seja possível. Quanta diferença entre esse momento e o primeiro revés na comunicação quando o bebê, ao redor dos 3 anos e com o não já bem articulado, diz “Eu não quero”. Babel instala-se dentro de nosso próprio lar e ainda não chegamos à adolescência.
Podemos escolher as palavras certas. Como um lapidário que, com sua habilidade e instrumentos adequados, modela, dá luz e transforma em joia de valor a pedra bruta que tem em mãos. Observamos as circunstâncias, o ambiente, avaliamos o assunto que está sendo tratado, analisamos onde queremos chegar neste processo de comunicação e ofertamos nossa elaboração ao outro. Expressamos para o nosso interlocutor o que antes só estava dentro de nós. Uma resposta, um convite, uma mensagem de Whatsapp, uma pergunta. É neste instante que saberemos se o que entregamos é uma joia ou um falso brilhante.
Comunicar, conversar, transmitir pensamentos seriam ações muito mais simples se não tivéssemos o desafio de viver em sociedade. Quem não entende o que está sendo dito, expressado, comunicado é sempre “o outro”. De quem é, afinal, a responsabilidade nesta troca? Qual é o objetivo da comunicação?
Acredito que seja importante relembrar que temos dois ouvidos e uma boca, mas, na contramão do dito popular, temos falado o dobro e escutado nada. Ou, quase nada. Na hora de expressar um sentimento, uma ideia ou um desejo, eixamos de lado a possibilidade de escolher, entre as mais de 400 mil pedras que temos em nosso idioma, e que são verdadeiramente preciosas optando pelos refugos.
Obrigada. Sinto muito. Desculpe-me. Você é importante para mim. Seu trabalho está lindo. Você está se esforçando, persista que o resultado surge. Eu compreendo o seu ponto de vista e gostaria de oferecer mais uma perspectiva. Se avaliarmos as vitrines que são as redes sociais, é fácil perceber que palavras ou frases com este teor são escassas. Palavrões, xingamentos e desvalorização do outro são frequentes.
Regina Rapacci e Andressa Miiashiro escreveram sobre comunicação para o blog nas semanas anteriores (recomendo a leitura para quem ainda não o fez!). Regina traz a importância das perguntas e Andressa nos apresenta a Comunicação Não-violenta, ambas colocam como centro de uma interação a partir das palavras o Amor. Do que falamos quando falamos de conversas? De reciprocidade, de construir juntos, de humanidade, de reconhecimento, de calor que oferece a possibilidade de desenvolvimento – meu e do outro. De continuidade. De respeito.
O alimento que faz com que o bebê reproduza suas primeiras palavras, aprendidas no meio que o cercam, mas que tem como alvo os adultos responsáveis por seu desenvolvimento é o Amor. Sem ele, nós nada seríamos.
Falar de amor é urgente. E, como fazer isso?
A fórmula mágica não existe, o que existe é a motivação interior de alcançar o outro. De estar junto, seja esse outro quem for. Pode ser alguém que prefira o azul ao vermelho, que escreva utilizando x e @, que jogue futebol de botão com o avô ou aprecie as poesias de Rimbaud. É reconhecer que, se tudo o que está ao seu redor exige muito de você neste momento, acontece algo muito semelhante com a pessoa com quem você precisa se comunicar.
Poderia dar o nome a este ideal de fórmula de “utopia”, mas depois que descobri que esta palavra foi inventada por um inglês, utilizando palavras gregas para designar um não-lugar, percebi que a própria palavra não expressa o que podemos buscar. Harmonia faz mais sentido. Buscar meios de encaixar, de combinar me parece mais adequado. É um exercício constante e possível, exige esforço, comprometimento e reconhecimento de que, o encontro que acontece entre duas ou mais pessoas extrapola os indivíduos, é algo divino. São seres espirituais vivenciando a mesma experiência material. Eu Superior diante de outro Eu Superior.
PS: Conseguiu identificar quem falou, cantou ou escreveu as citações mencionadas?

Sylvia Beatrix
Aconselhadora Biográfica mercurial que resolveu empreender e agora coordena a agenda de encontros e eventos @nacasadasyl tem buscado ser jupiteriana nas conversas que tem pela vida, adora o sol, mas às vezes vive no mundo da lua.

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