Com o coração fora do corpo
Ter um filho coloca nossa vida de ponta cabeça. Não falo das questões cotidianas como não dormir nunca mais; não comer uma refeição inteira; não conseguir ter tirado a camisola no final do dia; não ter horário para tomar banho ou nunca mais conseguir ir ao banheiro sem ter aquele pequeno ser no meio de suas pernas, olhando para você com cara de adoração, no momento que deveria ser o mais privado!
Penso que tudo isso, nós mães, conseguimos tirar de letra.
Falo dos desafios de transformação que aquele pequeno ser nos lança todos os dias a cada centímetro que cresce. Todo o resto é para os fracos. Ser mãe é aceitar que aquela sementinha faz explodir no nosso interior os mais diversos sentimentos que esperam ser equacionados.

Mas pensei: “Vamos lá. O seu trabalho não pode esperar. Você tem que voltar!”. O berçário era pequeno. Somente seis bebês para duas cuidadoras, além da dona da escola que acabara de abrir, dentro de uma Igreja Lutherana. Quando aquela pequena “budha” estendeu seus bracinhos para a dona da escola que nos atendeu, meu coração voltou ao seu compasso normal. Ali era nosso lugar.
Naquele momento pude compreender o me diziam: ser mãe é viver com o coração fora do corpo.
A primeira infância transcorreu com febres, risadas, beijos, cataporas, gripes e com muitas festas.
Alguns anos passaram e bateu à porta o momento do segundo grande passo, com a pergunta vivendo cada vez mais forte em mim: para qual escola levarei minha pérola? Sabia o que não queria. O ensino tradicional. Não porque minha experiência tenha sido ruim, pelo contrário. Ruim seria colocá-la numa grande escola com cobranças mil, impossibilitando o desenvolvimento com o calor necessário ao crescimento saudável. Inconscientemente queria que nada fosse tocado a pulso na educação formal dela. Lá no fundo sabia que o “tradicional” não era o nosso caminho. Obviamente, quando nos abrimos para o Universo, esse nos responde rapidamente.
No local mais improvável conheci uma pessoa que falava num curso de um “Apocalipse” da forma que nunca tinha escutado. Perguntei de onde vinham aquelas ideais tão diferentes, e essa pessoa me perguntou: “Não conhece Rudolf Steiner? A Antroposofia?” A minha expressão de “ué” foi tão manifesta que rimos juntos. Esta pergunta foi o grande primeiro passo para essa segunda grande mudança da minha vida. Conduzida pelas pequenas mãos da minha filha, entrei num mundo que, por mais de dez anos, ainda se desvenda diante dos meus olhos com seus muitos mistérios.
Acompanhar uma criança em uma escola Waldorf, além da emoção por ver se descortinar à sua frente um mundo que você sempre desejou que existisse, abre veredas nos corações que nos conduzem à busca do entendimento da proposta de mundo de Rudolf Steiner.
No primeiro dia que pisei em uma das mais simples escolas Waldorf meu coração deu seu último “entorse”. Desde o primeiro minuto, minha filha disse que aquela era a sua escola. Daqui eu iniciei a minha maior jornada: a da minha desconstrução. Nesta escola a minha filha iniciou a sua maior jornada: a da sua construção. Estudamos, fizemos Euritmia, Coral, casinha, teatro, viagens, amassamos barro, pintamos e bordamos. Eu fiz cursos. Uma nova formação. Bebi desse conhecimento como um nômade diante de um oásis. Participei da escola como mãe e de sua gestão, como uma aprendiz que se deslumbra com o descortinar de um pensamento que desde sempre clamou dentro de mim. Fiz mais uma formação, Pedagogia Curativa (Educação Terapêutica), enquanto minha pequena remodelava seus movimentos; aprendia com as relações sociais, tudo temperado pelas cores das tintas abundantes na pedagogia até encontrar a síntese de seu pensamento, equacionando maduramente o seu ser.
Foram 10 anos de grandes desafios e da mais absoluta transformação. Tantos outros virão pois apesar de alçar meus voos, o meu fio de prata está ligado à imagem de Francisco de Assis, patrono dessa escola tão especial na Zona Norte. Minha filha, como todo jovem, cortou o cordão umbilical e alçou o seu primeiro grande voo, para longe de casa, numa pequena cidade do interior paulista, onde terá a oportunidade de levar um pouco desse especial mundo “waldorf” para o Curso de Ciências Sociais, trabalhando a fraternidade no âmbito econômico, a igualdade no âmbito social e a liberdade no âmbito cultural.
Tereza Racy
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