Falar sobre o amor não é tarefa fácil, até porque é um
sentimento que efetivamente não sei se já nasceu dentro de mim. O que é o amor?
Como buscar um significado para esta palavra em princípio tão abstrata. Para
tentar chegar à gênese do amor fui buscar amparo nos poetas, nos filósofos, nas
religiões, sociólogos sem deixar de me lembrar das pessoas de natureza humilde,
distantes da academia, que encontrei ao longo da minha vida e que me comoveram
com a profundidade de seus conceitos. Nesse contexto posso me arriscar a dizer
que para mim, o amor é um sentimento que, mesmo sem saber definir, sei o que é.
Mas como explicar isso? “O amor não se
define, o amor se vive”, dizem alguns. Sim, pode ser. Mas como vivo
algo que não sei o que é? E me pergunto de onde ele vem? Onde ele nasce se vive
em nós? Como podemos ter a percepção do que é o amor se tantas são as
definições? Ou se vivemos esse sentimento, como não conseguimos defini-lo com
precisão? Por que em cada época da humanidade o “amor” pode ser conceituado de
forma que atenda às percepções daquela sociedade, se é algo que está
intrinsecamente em nós?
Socorrendo-me do poeta Carlos Drummond
de Andrade, aproveitando a data do seu natalício (31/10), trago os versos do
poema As Sem-Razões do Amor:” Eu te amo porque te amo. Não
precisas ser amante, e nem sempre sabes sê-lo. Eu te amo porque te
amo. Amor é estado de graça e com amor não se paga. Amor é dado
de graça, é semeado no vento, na cachoeira, no eclipse. Amor
foge a dicionários e a regulamentos vários. Eu te amo porque não
amo bastante ou de mais a mim. Porque amor não se troca, não se
conjuga nem se ama. Porque amor é amor a nada, feliz e forte em si
mesmo. Amor é primo da morte, e da morte vencedor, por mais que
o matem (e matam) a cada instante de amor.”
Inspirada por esse poema, e especialmente nos versos “o
amor é estado de graça ... amor é dado de graça...” fui buscar na Antroposofia,
o pensamento de Rudolf Steiner, o que por si só não é um caminho muito
tranquilo. Como vem fazendo desde o meu primeiro contato com seus textos,
Steiner tem descontruído muitas das minhas crenças sobre os poderes de Deus.
Diz Steiner, in O amor e seu Significado no Mundo: “Deus é amor puro, amor
sincero e não sabedoria e poder supremos”. Sendo Deus o Amor, este impulso flui
para a humanidade pronto, como uma dádiva e nós, seres humanos, podemos
capturar esse impulso de forma gradativa. Assim, amor é o fundamento de tudo o
que vive, por essa razão sinto que o Amor é, ainda que não consiga traduzir em
palavras o seu real significado. Amor é, portanto, esse impulso que se encontra
à disposição do ser humano para ser experimentado, vivenciado quando este desejar
caminhar as trilhas do aperfeiçoamento espiritual.
Um outro aspecto do amor, na visão do pai da Antroposofia
que reverberou fortemente em mim é que o amor “não desperta esperanças para o
futuro, e sim liquida as dívidas do passado”, e só quem compreende o amor dessa
maneira é um cristão, ou seja, compreende o que significou o Mistério do
Gólgota, que é um assunto dos deuses, que estes nos permitiram assistir. Nossa,
a partir daqui meu mundo se colocou de cabeça para baixo! E prossegue Steiner: “Este
é o único ato terreno totalmente suprassensível; portanto, não se deve
estranhar se os que não creem no suprassensível não creem de forma alguma no
ato do Cristo”. Foi nesse momento, quando se abre esse portal, permitindo ao
homem assistir a um ato divino que chegou o amor ao mundo, através desse
impulso crístico. A Antroposofia traz para o conhecimento humano a jornada do
homem em sua chegada na Terra, isto é, como ser espiritual, foi adensando sua
forma física, até que em determinado momento os deuses que participavam dessa
jornada, num encontro com Lúcifer, entregaram a este a sua onipotência. Esse ato
possibilitaria ao homem ser livre. Nesse encontro, nesse momento o homem entra
na matéria mais que estava programado, distanciando-se dos deuses que estavam
em ascensão. Por esta razão, num conselho de deuses, Cristo se disponibiliza a
recuperar os homens. Resumidamente este, para quem acredita minimamente no suprassensível,
no metafísico, é o maior ato de Amor. E por esta razão, no meu humilde
entender, podemos de todas as formas tentar buscar o significado da palavra
amor, e só conseguiremos tangenciá-lo se percebermos que “surge o amor por algo
que está dentro de nós mesmos”.
Finalizando, obviamente com Drummond, deixo novas
perguntas:
“Que pode uma criatura senão, entre
criaturas, amar? amar e esquecer, amar e malamar, amar, desamar, amar? sempre,
e até de olhos vidrados, amar? Que pode,
pergunto, o ser amoroso, sozinho, em rotação universal, senão rodar também, e
amar? amar o que o mar traz à praia, o que ele sepulta, e o que, na brisa
marinha, é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia? Amar solenemente as palmas do deserto, o que
é entrega ou adoração expectante, e amar o inóspito, o cru,
um vaso sem flor, um chão de ferro, e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e uma ave de rapina. Este o nosso destino: amor sem conta, distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas, doação ilimitada a uma completa ingratidão, e na concha vazia do amor a procura medrosa, paciente, de mais e mais amor. Amar a nossa falta mesma de amor,
e na secura nossa amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita.” (Amar)
um vaso sem flor, um chão de ferro, e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e uma ave de rapina. Este o nosso destino: amor sem conta, distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas, doação ilimitada a uma completa ingratidão, e na concha vazia do amor a procura medrosa, paciente, de mais e mais amor. Amar a nossa falta mesma de amor,
e na secura nossa amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita.” (Amar)
Tereza Racy
É jornalista, mãe de ex aluna waldorf e membro do Conselho deliberativo da Escola Waldorf
Francisco de Assis
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